Alheira de Santa Maria, afinal havia outra…

 

Na gastronomia portuguesa, as alheiras associam-se normalmente a terras transmontanas e aos distritos de Bragança e Vila Real, onde se encontram magníficos exemplares, sobretudo quando se conseguem arranjar daquelas caseiras e não massificadas (objetivo que torna feiras como as de Vinhais e Montalegre em verdadeiros “El Dorados” do nacional alheirismo). Mas fique-se a saber que esta é também uma visão redutora, porque há também uma alheira de elite, e bem diferenciada, nas encantadas ilhas açorianas e chega-nos de Santa Maria, a outrora mui cosmopolita ilha amarela (que chegou a ser ponto de passagem obrigatória de qualquer travessia aérea transatlântica, antes da autonomia dos aviões permitir os voos diretos). Caso para dizer, como na canção pimba, que afinal havia outra… A verdade é que quem degusta uma alheira de Santa Maria não volta a esquecê-la, de tão saborosa e prazerosa que se torna a experiência.

Há que dizê-lo, sem rebuços, que este é um enchido que merece figurar no indiscutivelmente deslumbrante quadro de honra dos enchidos portugueses e que bem merece ser mais conhecido do que aquilo que é. Nessa verdadeira Bíblia do fumeiro e enchidos de Portugal, que o chef Nuno Diniz fez publicar sob o nome “Entre ventos e fumos” (Bertrand Editora, 2019), já lá consta, a bem da mais elementar justiça, e a pp 142, a boa da alheira mariense. Registe-se e deguste-se.

Frita (recomendavelmente sem gordura na sertã ou frigideira), assada no forno ou, melhor ainda (!) grelhada sobre brasas, acompanhada por umas batatas cozidas, legumes ou até por um puré de maçã (tornando a experiência numa verdadeira demonstração umami!), eis uma refeição capaz de satisfazer qualquer divindade, quanto mais a nós, simples humanos.

Levemente picante e mais dourada do que os melhores exemplares transmontanos, a alheira de Santa Maria, com um sabor também ele bastante distinto, é – absolutamente! - um belo petisco. O perfeito “blend” de carne de porco e frango com o pão ou farinha de trigo, cebola, alho, pimenta e outras especiarias, devidamente embainhado na tripa. Eis uma alheira e peras! Urge prová-la, tornando nosso quotidiano a doutrina de Oscar Wilde de que somos capazes de resistir a tudo, menos à tentação. A alheira de Santa Maria é um bom motivo para esse tipo de resistência. Ou de tentação…


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