O fiel bolo lêvedo


Não está bem fixada a história do bolo lêvedo, esse verdadeiro ex-libris gastronómico açoriano. Mas há quem diga que, nos primórdios, era uma espécie de pão de massa levedada, consumido durante a Quaresma nalgumas freguesias da costa norte da ilha de São Miguel, ainda sem a utilização do açúcar e dos ovos que o enriquecem e fazem parte da receita contemporânea, confecionados em sertãs de barro, mas já com a forma circular e espalmada que são a sua imagem de marca.

Diga-se, para começar, que o bolo lêvedo é um fingidor, como qualquer poeta que se preze, na visão pessoana. Desde logo, porque não é verdadeiramente um bolo, podendo, com mais rigor, ser incluído na família dos pães doces. Farinha, açúcar, manteiga, fermento de padeiro, leite, ovos, uma pitada de sal, tudo devidamente amassado e dando tempo ao tempo para uma devida e dupla levedação. Eis, em traços grossos e simplistas, o delicioso bolo lêvedo.

A indeterminação histórica do bolo lêvedo termina, em grande medida, na década de 30 do século passado, com a abertura do fantástico Hotel Terra Nostra, nas Furnas. Nessa altura, o bolo lêvedo, como já o conhecemos hoje, tornou-se um elemento indispensável nos pequenos-almoços servidos naquele hotel de inspiração art déco, projetado pelo arquiteto Manuel António Vasconcelos e implantando no ainda hoje verdadeiramente mágico Parque Terra Nostra.

Desde então até hoje, o bolo lêvedo generalizou-se e é hoje produzido em inúmeras padarias micaelenses e até noutras ilhas, mas as Furnas continuam a ser, por direito próprio, o centro nevrálgico desta achatada e eclética maravilha açoriana. Sim, eclético é um adjetivo que lhe fica bem. Fresco e fofo, morno, torrado ou até deliciosamente prensado (com queijo, de preferência um bom queijo da ilha, e fiambre), o bolo lêvedo agrada sempre. Com queijo curado, pasta mole ou mais rijo, ou com queijo fresco, apenas com uma boa manteiga, com uma compota ou um belo doce açoriano. Como entrada, acompanhamento, sobremesa, pequeno-almoço, lanche ou para uma pequena ceiazinha, não faltam ocasiões para saborear o bolo lêvedo. E se faltarem, inventem-se!

Porque há que dizê-lo, com toda a frontalidade, a vida não seria a mesma coisa sem o (fingidor) bolo lêvedo, também ele merecedor do título, oficial e oficioso, de fiel amigo. E, como diz o outro poeta da amizade, “coisa mais preciosa não há”. O bolo lêvedo é verdadeiramente um dos maiores elogios à simplicidade da gastronomia açoriana.

PS – Este ano comemoram-se os 50 anos dos bolos lêvedos Rosa Quental, uma das maiores fabricantes de bolos lêvedos das Furnas. E diga-se, por ser de plena justiça, dos melhores. Obrigado por esta qualidade. Parabéns e venham mais 50! 

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