O singular ananás de São Miguel
Reza a História que o ananás começou a ser plantado “a sério” em São Miguel quando o século XIX ia a meio. Antes disso, trazido do Brasil pelos navegadores portugueses, era tratado como uma espécie de planta decorativa. A ascensão do “rei da fruta” por terras micaelenses tem também uma outra razão: a doença que atacou os vastos laranjais, chamada “gomose”, e que foi dizimando as célebres “Saint Michael’s oranges”, que eram por essa altura a cultura mais extensa e que mais riqueza produzia para os agricultores locais, também através da sua exportação. O ananás surgiu, então, como uma alternativa e terá sido José Bensaúde o primeiro grande cultivador açoriano de ananases e as estufas envidraçadas começaram a povoar a paisagem, sobretudo na mais quente e soalheira – e por isso mais adequada - costa sul da ilha de São Miguel.
Em 1864 são exportados os primeiros “St. Michael’s pineapple”,
com grande sucesso, por exemplo, no mercado britânico (que absorvia mais frutos
do que o próprio mercado continental português). E chegaram tão longe como a
Rússia, nos primeiros anos do século XX. Ao longo do tempo, o ananás açoriano
foi ganhando características únicas, que o tornam incomparável com qualquer
outro ananás.
A verdade é que toda a história do ananás micaelense é uma
história de resiliência e superação, primeiro como forma de superar o dramático
fim do “império da laranja”, mas também a capacidade de ir aperfeiçoando ao
longo dos tempos a cultura do fruto, com óbvias melhorias do produto final.
No fim do século XX, por exemplo, foram muitos os que
prognosticavam grandes dificuldades para o ananás de São Miguel (que é produto
DOP – denominação de origem protegida) perante a inundação dos mercados pelos
abacaxis de produção intensiva chegados da América do Sul. Por uma questão de
escala, sim, mas também pela maior “facilidade” açucarada do sabor do abacaxi,
comparado com as nuances, complexidades e subtilezas dos ananases saídos das
estufas açorianas, que os tornam únicos. Mas também este teste foi superado com
distinção, com as afinações que os produtores açorianos foram capazes de ir
introduzindo, melhorando cada vez mais o sabor do fruto, sem alterar a
excelência do produto final. É incontornável: em sabor e perfume, não há ananás
como o de São Miguel!
Estamos por esta altura do ano a chegar ao fim da época do pináculo
do ananás de São Miguel, no que a doçura diz respeito, embora no Natal e Ano
Novo seja também – e muito bem - presença obrigatória em muitas mesas, ajudando
a “cortar” os excessos de gordura tradicionais da época.
Eis um fruto moldado pelo tempo (são, pelo menos 2 anos entre
ser plantado e colhido…), pelo clima, pelo (como se costuma aplicar aos vinhos)
“terroir”, mas também pela insuperável técnica desenvolvida pelos produtores
açorianos, seja na preparação da terra (formada por cinco ou seis camadas),
seja no crescimento do fruto nas estufas de vidro. O singular ananás de São
Miguel é, muito justamente, uma imagem de marca dos Açores.
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