As exóticas espécies de São Jorge


Agora que começamos a ter o Natal em ponto de mira, ainda que certamente o mais estranho das nossas vidas, há que (re)viver as tradições que as circunstâncias nos permitirem. E se há aromas (e sabores!) de Natal, um deles é certamente essa mistura entre canela e erva doce, que tantas delícias do lusitano receituário de doçaria nos proporcionam, capazes de despertar o mais insensível dos palatos, quando não a própria alma. E já sabemos, palavra de poeta Pessoa, que “tudo vale a pena quando a alma não é pequena”. É tempo, pois, de falar das espécies de São Jorge, cujas origens se perdem no tempo e que, à combinação da canela e erva doce, acrescentam uma pitada de pimenta da Jamaica, confirmando a sua natureza (algo) exótica.

Açúcar, pão torrado (ou pão ralado), canela, erva doce moída, pimenta da Jamaica, raspa de casca de limão e manteiga formam a mistura (há quem acrescente um pouco de noz moscada…) que vai constituir o recheio destes primores são-jorgenses. Depois de o açúcar, com um pouco de água, ficar em ponto de fio, misturam-se todos os ingredientes até formar uma massa consistente, que vai descansar de um dia para o outro. É essa massa que vai transformar-se em rolinhos, que mais tarde serão embrulhados numa massa tenra (sem açúcar), a que darão pequenos golpes, de forma a evidenciar o recheio, antes de irem ao forno. 

O seu formato sui generis, como que alagartado, terá feito com que estas espécies (nome que será atribuível à utilização das diversas especiarias) fossem conhecidas em São Jorge por “bichos”. O certo é que – bichos ou espécies - se tornaram num dos ícones da ilha castanha e presença certa nas mesas das famílias jorgenses, onde quer que elas vivam.

De sabor marcante, exótico q.b., as espécies soltam aquele aroma inigualável da mistura de especiarias que as compõem e são uma bela companhia para, por exemplo, um aromático café de fim de refeição. Aquecem a alma e transportam um bocadinho daquela memória palatal natalícia de cada um de nós. E o Natal, como cantava outro poeta, “é quando um homem quiser”. Vamos, pois, viver essa espécie de Natal que 2020 nos concede.

 

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