Um bife não é só um bife



“O prazer é o primeiro dos bens. É a ausência de dor no corpo e de inquietação na alma.” | Epicuro (341 AC)

Pode a felicidade ser um bife com batatas fritas? Ah, sim, pode! Imaginemo-nos sentados nesse verdadeiro templo epicurista da carne açoriana que é o restaurante da Associação Agrícola de São Miguel, diante de um portentoso (porque é esse o termo!) bife “à Associação”, frito a meio termo, com alho q.b., um troço de pimenta da terra salgada por cima, um ovo estrelado e batatas fritas, daquelas gulosas. Salivemos, irmãos. Porque este é um daqueles momentos em que, até mesmo para os menos crentes, não podemos deixar de nos sentir mais próximos de Deus, ali no chamado Campo de Santana, Rabo de Peixe. Sim, é a mais pura das verdades, a felicidade pode ser um bife com batatas fritas.

Poderão alguns, de entre os mais grandiloquentes, ou simplesmente mais suscetíveis à vã invocação de altos valores, achar a ideia comezinha. Um bife com batatas fritas não passa de um bife com batatas fritas, dirão. A esses, para além de recomendar maior abertura de espírito, aconselhamos uma peregrinação ao Campo do Santana e a degustação, de espírito aberto e palato afinado, do tremendo bife que ali nos é servido. E atiremos-lhes com um dos grandes ensinamentos de mestre Epicuro: “Tu que não és senhor do teu amanhã, não adies o momento de gozar o prazer possível”. Na Associação Agrícola não se come um bife, come-se “o” bife! E isso faz toda a diferença.

Mas o que é que a carne açoriana tem, que a torna distinta? Na verdade, explicam os seus produtores, tem condições invejáveis para a excelência. A fertilidade dos solos – induzida por essa combinação entre um clima temperado e a abundante água das chuvas – permite que os animais se alimentem quase exclusivamente de pastagem, o que faz da sua carne um alimento verdadeiramente natural, com o modo de produção mais tradicional que se possa conceber. E isso reflete-se quer nos animais vocacionados para a produção de leite, mas também releva, e de que maneira, para algumas raças vocacionadas para a produção de carne (da Angus ao Charolês, ou à Limousine e a Ramo Grande, a única raça autóctone açoriana), porque nos Açores o bom pasto é para todas as vacas! No fundo, é tradução para gado vacum da máxima, “todas diferentes, todas iguais”… E traduz-se numa carne de carácter único, distinção que começa na sua cor e termina no seu sabor muito específico, que toca fundo no mais exigente dos palatos.

É esta carne, selecionada por quem sabe e chegada à mesa diretamente do produtor, que nos chega na forma daqueles maravilhosos bifes da Associação Agrícola. Mas que também nos pode chegar a casa, se pedirmos carne açoriana, que já existe em vários talhos do continente. Porque, definitivamente, esta carne é tudo menos fraca. Apetece terminar como naquela canção de Sérgio Godinho, “espalhem a notícia, do mistério da delícia…”




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